Há alguns anos, no interior do estado do Tocantins, aproximei-me
de um senhor e puxei conversa com o cidadão de média estatura, moreno e já
passado dos 40 anos de idade. Procurando compartilhar com ele o evangelho,
comecei a falar do amor de Deus, da pessoa de Cristo, do plano de salvação,
quando ele me interrompeu e me encarou, e, carrancudo, perguntou-me: “Você é
crente?”. E logo depois de minha resposta afirmativa, ele prosseguiu: “Mas,
você bebe café?”. Quando respondi que sim, o homem esbravejou: “Então você não
é crente coisa nenhuma, porque o crente que é crente mesmo nem café não bebe!”
Nunca mais esqueci aquela experiência inesperada, intrigante e triste.
Por que será que tantas
pessoas têm tal idéia dos cristãos evangélicos? De onde procede tal
perspectiva? Apesar das caricaturas injustas dos evangélicos disseminadas
atualmente, parte dessa imagem estranha vêm dos próprios “crentes”. Muitas
vezes, porém, tais comportamentos extremistas procedem de pessoas sinceras e
que amam a Deus. Como entender tal situação?
A verdade é que Deus
ordena que o cristão não ame o mundo (1Jo 2.15). Por outro lado, o filho de
Deus não pode sair do mundo (1Co 5.10) e não deve perder sua liberdade e
submeter-se à servidão legalista (Gl 5.1). Como lidar com essa tensão? A
resposta está na própria atitude de Jesus. Vemos nos evangelhos que nosso
mestre e senhor sempre esteve no mundo: ele participava de festas (Jo 2.1-11),
foi chamado de comilão e de beberrão (Mt 11.19) por seu comportamento social
comum, foi criticado por estar na companhia de cobradores de impostos
desonestos, os publicanos, (Mc 2.16), aproximava-se dos pecadores (Lc 5.30) e
tinha coragem de conversar com mulheres de má fama, arriscando sua reputação
(Jo 4.9; Lc 7.37-39). Apesar disso, Jesus nunca tolerou o pecado (Mt 21.12),
criticou a injustiça (Mt 6.15), anunciou o juízo de Deus, condenou a hipocrisia
religiosa (Mt 12.34) e pregou uma mensagem muito dura (Mt 5.20).
Parece que muita gente
tem achado que um bom cristão deve ser uma pessoa diferente dos outros na sua
forma de agir. Quando o cristão é um alienado, usa roupas estranhas, torna-se
isolado, tem cara de bravo e parece que está “chupando limão” o tempo todo,
muitos imaginam que aí está um “santo servo do Senhor”. As regras mais
estranhas e desconhecidas pela própria Bíblia tornam-se padrão de
espiritualidade: Usar gravata no culto, cortar a barba, não usar bigode, não
ouvir música “do mundo”, usar penteados específicos, usar instrumentos musicais
determinados, a obrigação (ou proibição absoluta) de bater palmas no culto,
guardar dias “sagrados”, rejeitar certos alimentos não espirituais, trajes
femininos especificados e dezenas de outras “leis” semelhantes.
A grande verdade é essas
questões pequenas são irrelevantes e nada têm a ver com o ensino de Jesus. Na
verdade, trata-se de uma distorção do cristianismo bíblico e representam uma
fuga da real responsabilidade do povo de Deus nesse mundo de trevas. É possível
tornar-se uma pessoa estranha e esquisita, cheia de maneirismos religiosos, e
ainda assim “amar o mundo”. Amamos o mundo quando buscamos poder, pomos o nosso
ego como centro da vida e temos como alvo aquilo que as pessoas desse mundo mau
tanto desejam. O fato é que não precisamos ser diferentes das demais pessoas.
Devemos agir como seres humanos normais que comem arroz com feijão, ouvem a
previsão do tempo, ouvem notícias, conhecem futebol, música, arte, ciência,
etc. A diferença deve estar em nossos valores, em nossa ética e em nossa
atitude misericordiosa e amorosa. Sejamos diferentes: rejeitemos a imoralidade
sexual, condenemos o aborto e a exploração infantil, vamos denunciar e criticar
todo tipo de injustiça e de maldade, deixemos de ser consumistas tolos, vivamos
para as nossas famílias, perdoemos quem nos odeia e nos prejudica, rejeitemos
subornos e propinas, lutemos contra a tentação da riqueza, da ostentação e da
vaidade, choremos pelos perdidos.
Não seja um sujeito
estranho e, ao mesmo tempo, igual aos demais descrentes, meu querido irmão;
torne-se, cada dia, bem diferente do padrão desse mundo. Não seja um
“alienígena”, pois Deus quer que sejamos diferentes, e não esquisitos.
Luiz Sayão